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26 de Abril de 2024

O Trabalho Escravo Contemporâneo Existente Nas Indústrias de Confecção

Um estudo sobre o trabalho análogo ao escravo na atualidade.

Publicado por Ana Paula Pavan
há 5 anos

O trabalho escravo contemporâneo é vivido hoje através de diversas indústrias de confecção que utilizam o trabalhador para fins maiores que o seu cargo na empresa, assim, torna-se um trabalho diário cansativo além do normal, bem como sem o trabalhador receber o que deve.

Como bem se sabe, as indústrias de confecção são umas das maiores facções existentes na história do trabalho escravo contemporâneo. Muitas ou quase 100% donos dessas indústrias não se importam com o bem-estar físico e psicológico do trabalhador, fazendo assim com que os mesmos trabalharem da forma que mais convir ao empregador, para que assim toda a maior quantidade de lucro ocorra.

Assim, ver-se-á nesse capítulo um pouco do que são essas indústrias, como a oportunidade de emprego chega até o trabalhador e de que forma passar a ser um trabalho escravo. Também, será explicado o que acarreta tal labor à saúde física e mental do indivíduo e como essa tem influência em sua vida.

O método utilizado pelas indústrias de confecção para o trabalho do empregado.

A partir do ano de 1990, as indústrias de confecção brasileiras começaram a enfrentar grandes crises, bem como a tecnologia passava a ficar cada vez mais comum no mercado, fazendo com que as mãos de obra fossem menos procuradas, pois acabava saindo mais barata a compra de instrumentos que realizassem a mesma função de uma pessoa.

Ao mesmo tempo em que muitas indústrias se viram na vantagem de comprar equipamentos e os substituir por trabalhadores, outros preferiram a terceirização de serviços, visando obter a maior escala de lucratividade. Assim, nessa nova modalidade destaca-se a contratação informal dessas chamadas facções.

Ocorria e ocorre da seguinte forma: as empresas contratantes minimizam os custos das oscilações de mercado, reagem melhor à sazonalidade e à concorrência estrangeira e livram-se dos encargos trabalhistas. (BRANCO, 2014).

Ou seja, longe dos encargos trabalhistas, o empregador teria bem menos impostos para pagar, bem como não precisaria pagar todos os benefícios existentes. E consequentemente, deixando o trabalhador de receber seus direitos de forma correta.

Com o passar do tempo, essas facções foram ficando cada vez mais conhecidas entre os donos de indústria, contudo, escondida da sociedade, já que é um trabalho completamente desumano. Assim, por conta da vasta geração de lucro, os empregadores vieram, cada vez mais a optar por esse tipo de labor.

Conforme artigo publicado pela Advogada e Professora Elke Castelo Branco (2014), observa-se que é incontável o número de trabalhadores na confecção informal:

O número de empresas vinculadas ao setor de vestuário no Ceará até julho de 2011, conforme Instituto de Desenvolvimento Industrial do Ceara – INDI é de 3.042 mil empresas, e responsável por aproximadamente por 60.000 mil empregos formais, sendo os tipos de estabelecimento predominantes as micro e pequenas empresas. No setor de confecção informal é difícil obter o número de empregados, que hoje estão vinculadas às facções de costuras, assim como o número de estabelecimentos, de facções, onde a maioria não é registrada, o que leva à dificuldade em encontrar informações cadastrais e estatísticas relacionadas às empresas do setor de confecções.

Assim, vê-se que o trabalho escravo contemporâneo se encontra, atualmente, de forma vasta, sendo impossível uma contagem para quantidade específica. Até mesmo porque muitas dessas indústrias estão ainda mascaradas e realizando labores de maneira escondidas, para que não haja qualquer pagamento de multa.

Ademais, a informação desse tipo de labor ocorre na conhecida forma do “boca a boca”. Não é colocado em anúncio de jornal, bem como não são, na grande parte das vezes, utilizadas redes sociais para chamar o indivíduo para esse trabalho, justamente por ser uma forma de emprego ilegal.

Destarte, após a pessoa interessa se familiarizar com devido cargo de uma indústria de confecção, tem uma rápida contratação e o início do trabalho. Conforme prevê a CLT, a carga horária habitual é de oito horas diárias de labor, todavia, muitas vezes essas facções colocam o trabalhador para trabalhar com carga horária superior, bem como laboram em locais totalmente inapropriados, sem ventilação, higiene e alimentação correta.

O método utilizado é para negociar com os indivíduos para que não haja recusa dessa forma de labor, assim como esses trabalhadores procuram uma atividade por não possuírem escolha, visto que muitos não têm dinheiro para seu sustento, acabam por aceitar e passam a vivenciar uma forma totalmente indigna de trabalho, o que faz assim, com que esse método laboral cresça cada vez mais.

Circunstâncias em que o trabalhador vivencia no dia a dia de seu labor.

No âmbito do trabalho escravo contemporâneo, pode-se ver muitas formas diferentes em que o trabalhador vivencia dia a dia. Nas indústrias de confecção, embora cada uma tenha sua particularidade, em grande parte são fábricas que não comportam meios adequados para trabalho, conforme se vê no artigo da prof.ª e advogada Elke (2014), que assim relata:

O ambiente de trabalho das facções é caracterizado com instalações improvisadas em galpões, ou até mesmo no próprio domicilio da costureira, mobília inadequada e sem utilização de dispositivos de proteção ambiental coletiva ou proteção individual as trabalhadoras, não apresentam nenhum layout de produção.

Dessa forma, tem-se um ambiente de trabalho totalmente desumano. Existem ainda três tipos de ambientes de trabalho, que podem ser classificados como ambiente de trabalho negativo, neutro e positivo.

Para o ambiente negativo não é preciso muita descrição, e é o qual se encaixa o trabalho escravo nas indústrias de confecção. Pessoas eternamente insatisfeitas, o assunto de ponta da língua nos corredores, assunto nas rodas de conversas é a vida alheia, o insucesso do outro, o quanto o chefe ou fulano é puxa-saco da empresa, ou seja, a famosa e indispensável fofoca. Tudo é comentado com pessimismo e negativismo.

Pincelando sobre os outros tipos de ambientes, temos que o ambiente neutro é aquele do "tanto faz", não importa se as coisas estão caminhando para melhor ou para pior, não faz diferença, o trabalhador não se sente atingido e, por fim, no ambiente positivo as pessoas têm prazer de se relacionar, as relações são mais verdadeiras, o que raramente ocorre nas facções.

Ademais, no que tange à alimentação dos trabalhadores, essas se vêm de maneira precária. Os empregados têm apenas uma refeição diária, entre almoço e jantar e muitas vezes não tem a quantidade de água necessária para o labor.

As jornadas de trabalho, como já dita nesse trabalho, são totalmente degradantes. Muitos ultrapassam a carga horária correta, qual seja, oito horas diárias, fazendo com que o empregado tenha uma carga exaustiva de labor, bem como interferindo na saúde física e mental do mesmo.

Ressalta-se que, conforme o que é dito na Associação Brasileira de Indústria Têxtil (Abit), temos que 85% de todo o vestuário consumido no país é fornecido por fábricas instaladas no Brasil, chegando a obter-se um faturamento de até US$ 55,4 bilhões em 2014, o Brasil é o quarto maior produtor de roupas do mundo, gerando 1,6 milhão de empregos, em que 75% da mão de obra é composta de mulheres.

Ocorre que essas formas de labor não são dignas para o empregado, gerando um desconforto na hora de trabalhar. Em fiscalização realizada no setor de confecções, diversas marcas foram autuadas por exigirem de seus trabalhadores mais do que é permitido.

Vejamos abaixo as principais marcas autuadas, bem como por qual razão essa autuação existiu (JUSTIFICANDO...2015):

MARISA - MARÇO DE 2010

Etapas do processo desde o aliciamento até as lojas do magazine foram apuradas pela Superintendência Regional do Trabalho e Emprego de São Paulo (SRTE-SP), que aplicou 43 autos de infração, com passivo total de R$ 633,6 mil.

LUIGI BERTOLLI - MARÇO DE 2013

Submetidos a condições degradantes, jornadas exaustivas e servidão por dívida, eles produziam peças para a empresa GEP, que é formada pelas marcas Emme, Cori e Luigi Bertolli, e que pertence ao grupo que representa a grife internacional GAP no Brasil. A fiscalização aconteceu na mesma semana que a São Paulo Fashion Week, principal evento de moda da capital paulista.

LE LIS BLANC e BO.BÔ – JUNHO DE 2013

Fiscalização realizada em junho resultou na libertação de 28 pessoas que produziam peças para a grife Le Lis Blanc em três oficinas clandestinas diferentes, incluindo uma adolescente de 16 anos. Eles recebiam entre R$ 2,50 e R$ 7 por unidade costurada. As peças eram vendidas por até 100 vezes mais.

M. OFFICER - NOVEMBRO DE 2013

Ação conjunta realizada pelo Ministério Público do Trabalho e pelo Ministério do Trabalho e Emprego resgatou duas pessoas produzindo peças da M.Officer em uma confecção no Bom Retiro, bairro da região central de São Paulo. Casados, os dois trabalhadores são bolivianos e viviam com seus dois filhos no local em que costuravam. A casa não possuía condições de higiene e não tinha local para alimentação, o que fazia que a família tivesse de comer sobre a cama. Os quatro tinham de dividir a cama de casal.

UNIQUE CHIC - MARÇO DE 2014

Fiscalização flagrou exploração de trabalho escravo e tráfico de pessoas em uma oficina localizada na Zona Leste de São Paulo. Entre os 19 trabalhadores libertados estava um adolescente. Todos eram peruanos. A inspeção aconteceu após um deles procurar as autoridades reclamando ter apanhado do empregador.

AS MARIAS - AGOSTO DE 2014

Doze haitianos e dois bolivianos foram resgatados de condições análogas às de escravos em uma oficina têxtil na região central de São Paulo. O caso foi inédito no setor e no Estado. Parte das vítimas foi aliciada em projeto assistencial da Igreja Católica. Os trabalhadores produziam peças para a confecção As Marias fazia dois meses, mas nunca receberam salários e passavam fome.

RENNER - NOVEMBRO DE 2014

Responsabilizada por autoridades trabalhistas pela exploração de 37 costureiros bolivianos em regime de escravidão contemporânea em uma oficina de costura terceirizada localizada na periferia de São Paulo (SP). Os trabalhadores viviam sob condições degradantes em alojamentos, cumpriam jornadas exaustivas e parte deles estava submetida à servidão por dívida.

BROOKSFIELD DONNA - JUNHO 2016

Cinco trabalhadores bolivianos - incluindo uma menina de 14 anos foram encontrados na pequena oficina no bairro de Aricanduva, cuja produção era 100% destinada à marca. Sem carteira assinada ou férias, eles trabalhavam e dormiam com suas famílias em ambientes com cheiro forte, onde os locais em que ficavam os vasos sanitários não tinham porta e camas eram separadas de máquinas de costura por placas de madeira e plástico.

Logo, conforme se viu assim, diversos são os aspectos em que o trabalhador se encontra na vivência dessa forma de labor. E de acordo com as autuações apresentadas acima, as mesmas ocorreram por que os empregados viviam em condições sub-humanas, comprometendo seu psicológico e físico.

O que acarreta à saúde mental e física do empregado nessa forma de trabalho.

De acordo com o que fora informado anteriormente, o ambiente de trabalho do empregado nas indústrias de confecção é degradante. Assim, embora o indivíduo dê início ao labor com uma saúde psíquica e física normais, ao longo do tempo pode vir a desencadear doenças por razão do labor, sendo pelo ambiente de trabalho, pela pressão recebida de seus chefes ou pela falta de plano de carreira existente.

As doenças laborais que acontecem são chamadas de doenças ocupacionais, e essas, apesar de não existirem os chamados ‘acidentes-tipo’, também são consideradas acidentes de trabalho, pois as mesmas se equiparam aos acidentes de trabalho, conforme artigo 20, inciso I da Lei. Nº 8.213/91. Veja:

Art. 20. Consideram-se acidente do trabalho, nos termos do artigo anterior, as seguintes entidades mórbidas:

I - Doença profissional, assim entendida a produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade e constante da respectiva relação elaborada pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social;

II - Doença do trabalho, assim entendida a adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente, constante da relação mencionada no inciso I.

§ 1º Não são consideradas como doença do trabalho:

a) a doença degenerativa;

b) a inerente a grupo etário;

c) a que não produza incapacidade laborativa;

d) a doença endêmica adquirida por segurado habitante de região em que ela se desenvolva, salvo comprovação de que é resultante de exposição ou contato direto determinado pela natureza do trabalho.

§ 2º Em caso excepcional, constatando-se que a doença não incluída na relação prevista nos incisos I e II deste artigo resultou das condições especiais em que o trabalho é executado e com ele se relaciona diretamente, a Previdência Social deve considerá-la acidente do trabalho.

Assim, a doença ocupacional gera incapacidade, mas de forma lenta, no decorrer do tempo e muitas vezes os sintomas não são notados, fazendo com que o empregado continue a laborar de forma indigna, mesmo que fazendo mal para sua saúde.

A Constituição Federal de 1988 concebeu mínimas regras de direitos para os empregados, fazendo com que inexista ou pelo menos dificulte normas não benéficas ao empregado. A defesa em juízo da integridade física dos trabalhadores é uma modalidade de defesa dos Direitos Humanos. A proteção do meio ambiente saudável tem íntima conexão com a proteção da saúde do trabalhador. (BRANCO, 2014).

Assim, a saúde, a higiene e a segurança do trabalho encontram-se constituídas como garantias fundamentais, mais precisamente previstas no inciso XXI do artigo da Carta Magna.

Ademais, as doenças ocupacionais são as que estão diretamente relacionadas à atividade desempenhada pelo trabalhador ou às condições de trabalho às quais ele está submetido. No caso em comento, pode-se destacar que as costureiras que vivenciam a escravidão contemporânea realizam diversas atividades com as mãos e a visão, e claramente essas não possuem o devido acompanhamento de especialistas, para saber se a saúde das mesmas se encontra de acordo, conforme demonstrado no artigo abaixo (BRANCO, 2014):

As costureiras realizam atividade cíclica, com uma sequência de tarefas que se repete da mesma maneira, ou de forma semelhante, com isso adquirem doenças provenientes destas atividades. As mais comuns segundo o Ministério da Saúde do Brasil são as Lesões por Esforços Repetitivos ou Distúrbios Osteomoleculares Relacionados ao Trabalho, LER/DORT que englobam cerca de 30 doenças, entre elas a tendinite (inflamação de tendão) e a tenossinovite (inflamação da membrana que recobre os tendões).

Esse tipo de doença existe em razão da forma de trabalho dos empregados que são levados a fatores lesivos no ambiente de trabalho, bem como pela carga horária desse, pois em grande parte das vezes imperceptível pelo próprio empregado, esses trabalhos são realizados de forma inadequada, já que o indivíduo realiza tarefas assumindo posturas ocupacionais ou funcionais desapropriados.

Além, em relação à saúde mental do empregado, temos que o mesmo, com o passar do tempo pode vir a desenvolver depressão. Ora, se não existe um bom ambiente, bem como remuneração devida, além do que, o tratamento recebido por seus superiores muitas vezes vem de maneira brusca, com grosserias e xingamentos, fazendo com que o trabalhador desencadeie a depressão, ou outras doenças psíquicas.

Para a OMS (Organização Mundial da Saúde), “adesão aos princípios dos ambientes de trabalho saudáveis evita afastamentos e incapacidades para o trabalho, diminui os custos com saúde e aumenta a produtividade a longo prazo bem como a qualidade dos produtos e serviços. (BELLATI, 2016)

Logo, isso e quase impossível, já que inexiste nas indústrias de confecção. Assim, acaba desencadeando diversos tipos de doenças laborais, das quais, quase que na maioria das vezes são totalmente ignoradas pelo empregador.

  • Sobre o autorEspecialista em Direito do Trabalho e Previdência Social
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